A concessão do certificado do Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Sisbi) a uma indústria de pescado em Rondônia é um marco que transcende a mera formalidade burocrática. Trata-se de um sinal de maturidade institucional, capaz de influenciar não apenas a economia local, mas também modelos de produção e conservação ambiental em regiões estratégicas. No entanto, como todo avanço, traz consigo desafios complexos que exigem planejamento de longo prazo e participação social ativa.
A possibilidade de comercializar produtos em todo o território nacional abre portas para um mercado consumidor 25 vezes maior que o estadual. Para um estado como Rondônia, onde a piscicultura cresce a taxas relevantes, isso significa potencial para atrair investimentos em logística, tecnologia e capacitação profissional. O pirarucu, espécie emblemática da Amazônia, ganha destaque não apenas como commodity, mas como símbolo de uma produção alinhada à identidade regional.
Contudo, é preciso questionar: como evitar que a expansão comercial beneficie apenas grandes indústrias, aprofundando desigualdades no setor? Pequenos produtores e cooperativas, muitas vezes responsáveis pela base da cadeia extrativista, podem ficar à margem sem políticas de acesso a crédito, assistência técnica e infraestrutura. A certificação, nesse sentido, deve ser vista como ponto de partida para um programa estadual de modernização inclusiva.
O manejo sustentável do pirarucu nas reservas Pedras Negras e Rio Cautário é um modelo reconhecido internacionalmente, baseado em cotas de captura e monitoramento participativo. A certificação Sisbi valida esses esforços, mas também os submete a uma pressão externa. Com a demanda nacional, surge o risco de flexibilizar critérios ambientais em nome da produtividade — um padrão observado em outros setores da Amazônia. A solução passa por fortalecer os mecanismos de controle: auditorias independentes, rastreabilidade da cadeia e transparência nos relatórios de impacto.
A parceria com o projeto de reflorestamento, que transforma madeiras apreendidas em insumos para recuperação de áreas degradadas, é um exemplo de como políticas intersetoriais podem criar sinergias. Resta saber se iniciativas como essa receberão orçamento e prioridade suficientes para ir além do caráter simbólico.
As reservas extrativistas são territórios onde a produção convive com modos de vida tradicionais. A certificação pode agregar valor ao pescado, mas seu êxito social depende de garantir que comunidades locais participem dos ganhos econômicos. Isso exige mais do que selos: é necessário incluir essas populações na governança do processo, desde a definição de preços até a gestão de marcas coletivas. Experiências como a do açaí no Pará mostram que, quando organizadas, comunidades podem evitar a exploração por intermediários e reter maior parcela do valor agregado. Rondônia tem a chance de replicar esse modelo, mas isso demanda investimento em educação profissional, associativismo e comercialização direta.
A entrega do certificado foi acompanhada de discursos sobre desenvolvimento sustentável, mas o verdadeiro teste começa agora. O Sisbi exige que o estado mantenha uma estrutura de vigilância sanitária permanente, com laboratórios equipados e profissionais qualificados. Além disso, é fundamental que a certificação não se torne um fim em si mesma, mas sirva de base para um plano estadual de segurança alimentar — integrando agricultura familiar, merenda escolar e programas de combate à fome.
Diário da Amazônia