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ZONA FRANCA E SUAS ORIGENS: A organização social e econômica que se consolidou em torno da borracha

A Amazônia gradativamente tornou-se, um dos principais parceiros econômicos globais, sobretudo para Inglaterra e Estados Unidos


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Em meio às medidas administrativas para a efetiva implantação da Província do Amazonas e a descoberta do potencial produtivo do látex na região, a Amazônia gradativamente tornou-se, a partir de meados da década de 1860, um dos principais parceiros econômicos globais, sobretudo para Inglaterra e Estados Unidos. Até então, a economia desta unidade do Império brasileiro havia se especializado na produção e no comércio poliextrativista, destacando-se a exploração de produtos derivados do peixe-boi, da tartaruga, do pirarucu, do couro de animais, da castanha, da salsaparrilha, do tabaco, do breu e de outros produtos florestais, incluindo a borracha.

Para beneficiar minimamente estes produtos, surgiram pequenas indústrias que empregavam mão de obra indígena, colona e mestiça, destinando sua produção tanto ao mercado interno brasileiro quanto ao exterior. Na segunda metade do século XIX, todos os esforços produtivos foram direcionados para a extração e o beneficiamento da borracha, ainda que com técnicas rudimentares.

Aureliano Tavares Bastos, em viagem pelo rio Solimões-Amazonas em 1864, cujos achados foram publicados na obra  O Valle do Amazonas em 1866, destacou que, naquele ano, a borracha já despontava como o principal produto da pauta de exportação do Amazonas, representando mais de 51% dos valores transacionados (Figura 1). Guardemos, pois, o nome de Bastos e de sua obra, que, décadas depois, inspirou politicamente a modelagem da Zona Franca em 1957.

 

Figura 1 - Exportações da Província do Amazonas, 1864.


Fonte: Bastos (1937, p. 229)

 

Para promover o comércio da borracha, inúmeras ações de incentivos foram implementadas para atrair empreendimentos, investidores e trabalhadores. Destacam-se:

• O povoamento pela borracha - além dos povos originários, que já atuavam como extratores de látex no interior da Amazônia, uniram-se ao processo trabalhadores das cidades e migrantes nordestinos (migrantes que totalizaram cerca de 300 mil pessoas entre 1860 e 1912);

• A infraestrutura logística viabilizada pela borracha - para viabilizar a extração da borracha, o Estado concedeu as maiores subvenções, por milha navegável, aos serviços de transporte operados pelas Companhias de Navegação que atuavam na Amazônia;

• As finanças sustentadas pela borracha - a expansão do comércio da borracha e dos serviços correlatos à extração e transporte tornou a Fazenda Pública da Província do Amazonas uma das maiores arrecadadoras de tributos. Esse recurso possibilitou o apoio a iniciativas como a navegação, contratos de fornecimento de alimentos, projetos de imigração e auxílios financeiros para o transporte e a subsistência de imigrantes;

• Um sistema de financiamento criado para viabilizar a borracha - compradores estrangeiros de borracha garantiram o funcionamento das firmas exportadoras e das casas aviadoras, organizando a estrutura social dos seringais e viabilizando a atuação de seringalistas e seringueiros. Esse modelo ficou conhecido como Sistema de Aviamento.

O fato é que, a partir da produção, transporte e comercialização da borracha as receitas do Estado se elevaram, consolidando a Fazenda Pública; estratos sociais se fortaleceram, com o surgimento de um empresariado local mais pujante, um corpo técnico-administrativo encarregado da gestão das rendas e uma classe trabalhadora cada vez mais especializada, sobretudo na extração de seringa e nos serviços logísticos. Manaus e Belém passaram por um intenso processo de urbanização, e um sistema produtivo voltado à comercialização da borracha foi estruturado, sempre dependente da navegação para conectar os elos da cadeia de comercialização.

A borracha monopolizou as atenções públicas e privadas, restringindo o desenvolvimento de atividades não relacionadas à sua extração ou comércio. Os transportes, o povoamento, as finanças, a cultura, a política e toda a organização social da região giraram em torno desse eixo econômico, criando uma rede de dependências dentro de um cenário socioeconômico artificial impulsionado pelas altas cotações do mercado.

Nos próximos artigos, abordaremos cada um desses tópicos separadamente, aprofundando a análise da consolidação de Manaus como centro de desenvolvimento, das repercussões dessa dinâmica para a Amazônia Ocidental e, por fim, dos motivos que levaram ao declínio da economia da borracha no período republicano.

 

Marcelo Souza Pereira, é Economista, Especialista em Gerência Financeira,

Mestre em Desenvolvimento Regional, Doutor em Sustentabilidade na Amazônia. É ex-superintendente da

SUFRAMA e servidor público cedido à Câmara Federal.

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