Saúde

Prescrição de antimicrobianos em hospitais: o que mudou nos últimos anos?

Uma das mudanças mais significativas no cenário hospitalar foi a implementação crescente dos chamados programas de stewardship de antimicrobianos


Imagem de Capa

PEXELS

PUBLICIDADE

A prescrição de antimicrobianos é uma prática clínica que, por décadas, foi guiada por hábitos locais, experiência individual dos profissionais e protocolos institucionais muitas vezes desatualizados. No entanto, nos últimos anos, esse cenário vem passando por transformações profundas, impulsionadas pelo avanço da microbiologia, o crescimento da resistência bacteriana e a demanda por práticas baseadas em evidências. Em ambientes hospitalares, onde os riscos associados a infecções são maiores e os patógenos mais resistentes, a escolha correta do antimicrobiano tornou-se não apenas uma decisão terapêutica, mas uma responsabilidade coletiva. Médicos, farmacêuticos, infectologistas e comissões de controle de infecção hospitalar têm assumido um papel cada vez mais ativo na vigilância e na racionalização do uso desses medicamentos. Mas o que mudou, de fato, nos últimos anos na forma como os antimicrobianos são prescritos nos hospitais? Neste artigo, exploramos os principais avanços, os desafios persistentes e a importância da educação continuada para uma prescrição mais segura e eficaz.

A ascensão dos programas de stewardship

Uma das mudanças mais significativas no cenário hospitalar foi a implementação crescente dos chamados programas de stewardship de antimicrobianos — iniciativas estruturadas que visam otimizar o uso desses medicamentos, melhorar os desfechos clínicos e reduzir a resistência microbiana. Esses programas envolvem uma abordagem multidisciplinar, com revisão periódica das prescrições, auditorias clínicas, protocolos atualizados e educação contínua da equipe. A meta não é restringir o uso, mas garantir que o antimicrobiano certo seja utilizado, na dose certa, pelo tempo adequado e para a infecção correta. Essa mudança de mentalidade tem sido impulsionada por evidências robustas de que o uso excessivo ou inadequado de antimicrobianos está diretamente ligado ao aumento da resistência bacteriana, além de representar riscos ao paciente, como eventos adversos e infecções por Clostridioides difficile.

Uso cada vez mais criterioso de esquemas empíricos

A terapia empírica ainda é uma necessidade clínica em muitas situações hospitalares, especialmente em infecções graves onde não se pode esperar pelos resultados da cultura. No entanto, a tendência atual é de uso mais criterioso desses esquemas, com reavaliações precoces e descalonamento assim que os resultados microbiológicos se tornam disponíveis. Isso exige que os profissionais estejam atualizados quanto ao perfil de sensibilidade local, características clínicas do paciente e prevalência de patógenos multirresistentes. Também demanda conhecimento aprofundado sobre espectro de ação, farmacocinética e farmacodinâmica dos antimicrobianos utilizados — o que nos leva ao próximo ponto.

Maior valorização do conhecimento técnico na escolha dos antimicrobianos

Prescrever antibióticos no hospital não é apenas uma questão de "escolher o mais forte". É necessário entender como o fármaco age, como se distribui no organismo, em que situações é mais eficaz e quais são os riscos associados ao seu uso. Nesse contexto, materiais de estudo atualizados e elaborados por especialistas se tornaram essenciais para a prática clínica segura. Uma fonte altamente recomendada é o Manual de antimicrobianos da Faculdade de Medicina da USP, desenvolvido por médicos infectologistas do Hospital das Clínicas. A obra aborda, de forma prática e profunda, temas como mecanismo de ação, farmacocinética, farmacodinâmica e aplicação clínica dos principais antimicrobianos utilizados na rotina hospitalar, sendo uma ferramenta indispensável para residentes, clínicos e infectologistas.


A resistência bacteriana como fator decisivo

Nos últimos anos, o crescimento da resistência microbiana deixou de ser um alerta apenas acadêmico para se tornar uma realidade presente no cotidiano hospitalar. Casos de infecções por carbapenemases, MRSA, Pseudomonas multirresistentes e Enterococcus vancomicina-resistentes já não são exceção, especialmente em UTIs e centros de oncologia. Com isso, a escolha do antimicrobiano não pode mais ser feita de forma empírica e sem análise crítica. A compreensão sobre o impacto das classes de antibióticos sobre o microbioma, as vias de eliminação e a penetração tecidual ganhou importância prática. Além disso, o uso de antimicrobianos de "reserva" — como polimixinas, linezolida e tigeciclina — requer conhecimento técnico preciso, já que o manejo inadequado dessas moléculas pode acelerar ainda mais o surgimento de cepas resistentes.

Educação continuada como eixo central da mudança

Todas essas transformações só são sustentáveis se houver um compromisso institucional com a formação técnica e a atualização dos profissionais de saúde. Em tempos de alta rotatividade nas equipes e sobrecarga assistencial, capacitar médicos e farmacêuticos sobre o uso racional de antimicrobianos é uma medida que salva vidas. Hospitais que investem em treinamentos, acesso a literatura científica atualizada e integração com os comitês de infectologia tendem a obter melhores desfechos clínicos, além de reduzir custos com internações prolongadas e tratamentos ineficazes. A prescrição de antimicrobianos em hospitais evoluiu — e continua evoluindo. Hoje, mais do que nunca, prescrever exige conhecimento técnico, consciência coletiva e compromisso com boas práticas. O papel do médico vai além de tratar o paciente: ele também precisa proteger o arsenal terapêutico disponível para que continue sendo eficaz no futuro. Com o suporte de guias clínicos confiáveis, ferramentas de apoio à decisão e uma cultura institucional voltada para o uso racional, é possível oferecer o melhor cuidado possível, de forma segura, responsável e baseada em evidências.

Divulgação

Mais lidas de Saúde
Últimas notícias de Saúde