Nos últimos sete artigos deste editorial, analisamos o processo de formação da dinâmica econômica e social da Amazônia Ocidental, com destaque para a criação da Província do Amazonas e o desenvolvimento impulsionado pela economia da borracha. Esses acontecimentos foram decisivos para consolidar a confiança de investidores e fortalecer a organização do Estado na região.
Inicialmente, a principal preocupação do governo brasileiro em relação à Amazônia era a definição das fronteiras, o que motivou a criação da província e a promoção do povoamento local. Em um segundo momento, as ações governamentais concentraram-se na estruturação do sistema de transporte, com o objetivo de suprir necessidades econômicas estratégicas e garantir a comunicação entre povoados e vilas.
Com o aumento expressivo dos preços da borracha no mercado internacional, a queda da produtividade nos seringais do Pará e a descoberta de vastas reservas nos rios Madeira, Juruá e Purus, na década de 1860, a atividade extrativista deslocou-se para a Amazônia Ocidental. Em resposta, o governo brasileiro passou a direcionar suas políticas econômicas para fomentar a exportação do produto. A produção amazônica que não alcançava cem toneladas até 1830 chegou a cinco mil em 1870, praticamente dobrando até 1880 e se mantendo um crescimento contínuo até o início da segunda década do século XX (Figura 1).
Figura 1 - Produção de Borracha na Amazônia (1827 - 1947)
Fonte: Reis (1965), Dean (1989), Benchimol (1992), Weinstein (1993) e Loureiro (2008)
Djalma Batista, em sua obra O Complexo da Amazônia, destacou que o quilo da borracha, que custava 220 réis em 1825, passou a 5$240 em 1894, mantendo tendência de alta, até atingir 17$800 em 1910 — período em que o Amazonas chegou a produzir cerca de 70% da borracha amazônica. Com o monopólio da produção, o Estado brasileiro associou-se aos interesses privados, concentrando esforços no incentivo à extração, transformando a borracha em uma riqueza estratégica que liderou a pauta de exportações e impulsionou o crescimento das receitas públicas.
O historiador norte-americano Warren Dean, em sua obra A luta pela borracha no Brasil, apontou que, entre 1890 e 1912, a Amazônia abrigava apenas 4% da população brasileira, mas gerava quase 17% da renda nacional. Nesse período, acumulou superávits superiores a 656 mil contos de réis (equivalentes hoje a R$ 36,7 bilhões), já descontadas as despesas com infraestrutura subsidiada — sem contar as rendas provenientes do Acre, creditadas diretamente ao Tesouro Nacional, sem repasse às demais unidades da federação.
Entre os produtos da pauta exportadora brasileira, a borracha foi o que mais cresceu entre 1890 e 1910. Essas duas décadas de expansão permitiram o financiamento de infraestrutura urbana em capitais do Norte, como Manaus e Belém, e contribuíram para a organização de setores estratégicos do governo central. Em 1910, as exportações de borracha e café representaram, respectivamente, 39,7% e 42,3% das divisas brasileiras, totalizando juntos mais de 82% das receitas externas do país. Isso mostra que, embora a economia amazônica aparentasse fragilidade por sua dependência de um único produto, tal lógica refletia a prática nacional de especialização regional na monocultura voltada para exportação: A Amazônia era estratégica para a Nação!
Ainda em 1910, o superávit da Balança de Pagamentos do Brasil evidenciava a relevância da região amazônica, responsável por mais de 40% do saldo positivo daquele ano (Figura 2). Embora São Paulo gerasse mais de 42% dos recursos que ingressavam no Tesouro Nacional por meio do café, os impactos das importações locais diminuíam o superávit paulista. Em contraste, as contas da Amazônia mantinham-se equilibradas, mesmo com a dependência de produtos vindos de outros estados. Esses dados reforçam a importância da receita do comércio da borracha para a contabilidade nacional.
Figura 2 - Superávit Comercial do Balanço de Pagamentos do Brasil (Ano de 1910)
Fonte: Loureiro (2008)
Argemiro Brum, um dos grandes historiadores e economista brasileiro, ao apresentar os resultados de cinco decênios dos principais produtos de exportação brasileiro, em sua obra "O desenvolvimento econômico brasileiro", demonstra que a borracha passa de uma participação insignificante no comércio internacional da década de 1820, a um produto promissor durante a década de 1860 e a partir do governo republicado durante a década de 1890 ganhou notoriedade tornando-se o segundo produto da arrecadação de divisas, posição que manteve durante quase vinte anos, até o início da década de 1910, quando as receitas consolidadas do decênio representaram quase 28% do total exportado pelo Brasil (Tabela 1).
Tabela 1 - Participação percentual da exportação brasileira: principais produtos cíclicos em alguns decênios típicos no período 1820-1930
Fonte: Brum (2009)
Com as divisas geradas pela borracha, o Brasil quitou dívidas externas, promoveu transformações urbanas no Rio de Janeiro — então capital do Império e, posteriormente, da República — e viabilizou a implantação da indústria paulista. Por isso, Loureiro (2008) destacou: "Nesta época São Paulo era a locomotiva, mas a Amazônia é que lhes fornecia os trilhos e o combustível necessários às suas caldeiras".
Ao concorrer pela força de trabalho nordestina, justamente no período de transição do regime escravocrata para o trabalho livre, a economia da borracha impactou diretamente outras lavouras brasileiras, como o café no Sul e Sudeste e o cacau, o algodão e o açúcar no Nordeste — todas até então sustentadas majoritariamente pelo trabalho escravo. Como resultado dessa disputa por mão de obra, os estados do Sul e Sudeste passaram a promover a imigração europeia como alternativa, lançando assim as bases para a continuidade do desenvolvimento regional nessas áreas.
Tendo conhecido essa trajetória histórica - do marasmo ao progresso impulsionado pela Economia da Borracha na Amazônia -, passaremos, no próximo Editorial, a abordar as razões que levaram ao declínio da economia da borracha no início do século XX.
Marcelo Souza Pereira, é Economista, Especialista em Gerência Financeira, Mestre em Desenvolvimento Regional, Doutor em Sustentabilidade na Amazônia. É ex-superintendente da SUFRAMA e servidor público cedido à Câmara Federal.
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